Na noite passada eu fiz uma experiência diante daquela cena... Não, não era nova!Já tinha presenciado muitas cenas como aquela.
Diante dos meus olhos, naquele lugar inusitado, para quem vive em São Paulo...
Aquele odor peculiar, provocando a memória, evocando simplicidade... odor de terra revolvida, capim, excrementos animais... fiz memória das fazendas que visitei... mas foi algo bem minúsculo que chamou minha atenção... talvez o som de respiração completasse a cena de tal modo que fui envolvida pela situação.
Fui interiormente desnudada. As primeiras impressões foram marcantes.
Observei, então, um conjunto de folhas cumpridas, potiagudas, mais pareciam fitilhos, como aqueles que usamos em pacotes de festas deste período. Elas não eram tão verdes, cheias de clorofila. Tinham tons que variavam entre o verde, o amarelo e o mostarda. Esse conjunto de folhas tinham sido cuidadosamente colocado sobre um suporte semelhante à um banquinho de madeira, mas parecia-me um recipiente para receber alimentos, sei lá. Não sei bem. Sobre essas folhas uma criança, um bebê bem pequeno, com uma pele aveludada, como quem acaba de nascer. Mas o que um bebê estaria fazendo num lugar como esse em meio a cidade de São Paulo, num bairro da zona sul? Quem o teria posto ali, certamente não preocupou-se que tal bebê precisaria de cuidados. Eu hein?!
Como comentei anteriormente, algo bem pequeno havia me chamado atenção, as folhas, uma delas e especial. Que tocava a pele do tal bebê...
Enquanto eu observava outros que passavam por ali, admiravam-se com a cena, tanto quanto eu. Outros mais religiosos faziam um sinal na fronte, não sei bem o que isso significara...O fato é que a medida que se aproximavam tais pessoas, o bebê sorria, seus olhos brilhavam, e balbuciava como quem pede colo...
As folhas, foco da minha atenção eram sem graça, pareciam sem vida, quase que espetavam o bebê, mas ele não parecia se incomodar.
Foi então que uma pessoa no meio daquela multidão passou na minha frente tampando a minha visão. E uma mochila nas costas trazia um enfeite que refletia a luz e a minha imagem, como num espelho.
Dei- me conta que aquela cena tinha me conduzido para um lugar dentro de mim, que há tempos não visitava.
Senti-me como aquela folhinha, sem graça, nem cor espetando o bebê.
Esse ano foi tão inusitado em tantos aspectos, tudo tão maluco, com tantas coisas e situações que perdemos a mão, o controle, e apesar do incômodo eu senti como se fosse apenas mais um dos muitos momentos que esse 2020 estava me provocando.
Como aquela folha estaria ali?
O bebê parecia ser importante.
De repente, como se tivesse sido roubada, assaltada de mim mesma, comecei a fazer memória de quantas vezes tinha experimentado o mesmo sentimento, sendo estorvo, incomodando o outro, sem o tal distanciamento exigido, e o contraponto também experimentei. Quantas vezes quis manter a distância daqueles me causavam incômodo. Sem espaços para os mesmos dentro em mim. Senti-me mal por isso. Uma lágrima ensaiava escorrer sobre as minhas faltas.
O bebê, como todos os outros, inquieto, movimentando braços e pernas como quem se estica,sabe? Para ocupar melhor o espaço que agora possui. Sua pele aveludada ia tocando aquela folha e eu me incomodava o porque ele não se arranhava, como se estivesse envolvido de uma proteção, uma camada protetora.
Tinha a impressão que ele se movimentava exatamente para tocar cada uma das folhas que ali estavam. Sem exceção. Enquanto isso ia sendo acompanhado por meus olhos, um nó incontrolável me apertava o peito e uma vontade também incontrolável de chorar ia tomando o meu ser.
Não, eu não sabia o que estava acontecendo.
Mas me lembrava de cada segundo do ano, da angústia diante do decreto mundial da pandemia. Da reclusão e do isolamento, das neuroses criadas diante daquilo que não conhecia, do esforço pela sanidade mental, das inúmeras adequações, adaptações que precisei ou me recusei a realizar nesse período. Quão sofrível foi viver tudo isso expondo o meu interior cada e mais. Rezando e pedindo por desconhecidos, pelos meus, por mim. Confiando na voz interior que dizia 'Não temas!'... Fiz memória de tantos que não sobreviveram à essa loucura, mas quão importante foi a oração realizada para que aquela alma encontrasse seu caminho e descanso.
Nossa! Bendita folha! Onde fui parar?! Risos.
Então, de repente fui invadida por uma alegria, um sentimento de gratidão incontrolável. Queria expressar rindo, mas chorava. Uma emoção que há tempos não experimentava. Como as pessoas ali presentes perceberiam isso? Um misto de vergonha e desejo que elas também experimentassem a mesma coisa... risos. Isso é loucura!
Eu ali, sendo tocada nas minhas folhas, sem vida e sem cor, pontiagudas das minhas asperezas sendo envolvida pelo toque suave daquele bebê que desejava tocar-me em cada uma delas... Aff, quanta alegria experimentar isso!
Descobri no decorrer daqueles cinco minutos eternos que estava diante d'Ele, no presépio e eram apenas as palhas, na minha pobreza e conjuntos de "in's" _inconstância, instabilidade, incompetência, insuficiência, etc _ que sendo por Ele tocadas provocavam em mim a completude, a saciedade e um desejo incontrolávelmde agradecer... Foi o que eu fiz... me uni à mirra, ao incenso e ao ouro de 2.020 anos atrás e fiz a mesma experiência. De ser visitada pelo Rei na minha miséria. Sentir-me profundamente amada e transformada pelo toque de um bebê que também com os mesmos bracinhos abertos de hoje, permanecerá dando a vida à mim e por mim e permanecendo se assim eu deixar.
Na minha gratidão quero incluir você. Partilhando o que recebi: um Feliz Natal!
Aline 🌹
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...podas...quando você comenta eu posso crescer...pensar...amadurecer a idéia...